segunda-feira, 18 de julho de 2011

Amsterdã 2012

Até mesmo cálculos e planos  mais precisos foram levados pela tempestade, através dos canais.

Quem viu, viu. A mais livre cidade do Ocidente foi também o maior primor de engenharia civil desde os aquedutos de Augusto, o grande imperador romano. Comportas e diques sempre em manutenção ordenada, homens de macacão diuturnamente dedicados ao bem comum, exímios no manejo bem temperado da arte de domar a natureza. Primor de engenharia civil.., ou seria náutica?
      Quem não viu não verá jamais. A grande cidade livre do poente, obra de arte da engenharia social e do direito universal, terra e mar do lema ancestral: não me atrapalhes que não te atrapalho. A moeda cara e simples, a liberdade séria do bom mercado. Aqui se compra, aqui se paga. Melhor que Roma. A civilização do negócio generalizado, do Estado sem culpa e com multa, dos coffee shops e sex shops, encruzilhada de sábios e tolos de todas as nações, terra das prostitutas sindicalizadas, das vitrines glamorizadas, dos arquitetos loucos, dos traficantes de tudo, da polícia sempre gentil e coberta de razão. Terra das pontes suspensas, das hastes retráteis, das casas verticais, das roldanas e, sobretudo, dos canais. Creat and positive vibes...
Quem viu não esquecerá jamais. Que coisa linda aquela urbe vermelha e labiríntica como as camadas de uma cebola psicodélica. Uma joia pós-viking sob o céu azul das primaveras mais floridas, dos verdes parques com enxames de bicicletas, do povo rosado e feliz. Cores e sombras e céu gris. Cidade que fermentou do bom e do melhor: Bosch, Brueghel, Rembrandt, Vermeer, Mondrian, Escher, Marley, Ganesh, Shiva e Buda. Cidade da dominatrixsudanesa, massagista tailandesa, dançarina congolesa e escritora javanesa, dos capoeiras abusados e góticos aloprados e bears e punks e nerds e junkies e da orelha de Van Cogh e de tudo que é demasiadamente humano.
      A internet, a televisão e o rádio avisaram com antecedência da tempestade. Improvável zona de baixíssima pressão no mar do Norte. Por três dias as comportas mantiveram o nível estável, a despeito do empuxo do mar. E então, derepente, a cidade começou a soçobrar. Lenta mas inexoravelmente... A perda de controle do nível da água durou um dia comprido e uma noite triste. Mas eram tantos barcos, barquinhos e botes que ninguém ficou realmente preocupado. Nem mesmo os turistas, pois até para o impossível os incríveis holandeses haviam se preparado de forma prática, lógica e pontual. Na hora do pânico não havia pânico, pois funcionavam sistemas de circulação de água fresca, alimentos, fármacos, roupas e informações precisas em folhetos trilíngues. O plano foi seguido com a ciência da eficiência. Os cálculos foram feitos fazia décadas. Havia telhados e barcos para todos.
      Mas a primeira tempestade global do terceiro milênio durou várias semanas de horror. Ninguém imaginou tão longe, ninguém supôs o inimaginável. Ao raiardo sol, findas as últimas águas, a Inglaterra dera lugar a um destroçado arquipélago em choque. Sorte dos ingleses. Dos habitantes de Amsterdã e seus gloriosos canais restam apenas nossas sinceras saudades.

                                                                  Por Pr. Marcelo da Costa.

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