Descobrimos com as primeiras experiências a apaixonada intensidade, que
o amor pode oferecer, e a dor que pode causar. Repetimos e repetimos essas
lições durante toda a nossa vida. As
vezes, as lições não são muito apavorantes.
Uma menina que sofreu a perda traumática da mãe e do pai. No meio da sua
brincadeira ela pára, fica de pé, e diz “tchau”. Ao que parece, seu estilo é:
“Estou deixando-a antes que você vá embora e me deixe”.
Eu fico a pensar cá com os meus botões, será que um dia ela vai crescer
com o impulso de abandonar o que ama antes que a façam sofrer?
Um garoto que é sempre empurrado pela mãe, na medida que ele é
solicitado por ela, e ela sempre diz: “Estou ocupada”, “Agora não” - Você está
me atrapalhando.” Ele insisti e choraminga e dá chutes na porta fechada do
quarto da mãe. Eu imagino o que ele fará com as mulheres daqui a vinte anos, e
o que ele vai querer, precisar que elas façam para ele.
Aquele garotinho, por, exemplo,
pode representar seu desamparo fazendo o papel de marido passivo, submisso.
Pode representar sua fúria violenta como um marido que espanca a mulher. Pode
escolher o papel de mãe e se tomar um marido frio do tipo você-tem-de-implorar. Ou, como pai ausente, pode simplesmente abandonar a mulher e o filho.
Aquele garotinho pode se casar com uma
mulher que seja a imagem exata de sua mãe. Pode fazer com que ela se torne sua
mãe. Pode pedir a ela o impossível, e quando ela recusar, talvez diga: “Você
sempre me rejeita,— igual à minha mãe”.
Repetindo o passado, ele pode repetir sua fúria, sua humilhação ou seu
sofrimento. Ou pode repetir as táticas para derrotar a fúria, a humilhação, e a
dor. Repetindo o passado, ele atualiza seu script, para incluir as ligeiras
variações das experiências subseqüentes. Mas quem ele ama e como ele ama, serão
sempre reflexos daquele garoto choramingas, furioso e que implorava atenção.
Para muitos homens, a negação da dependência da mãe é repetida nos seus
relacionamentos futuros, as vezes pela ausência de qualquer interesse sexual
por mulheres, as vezes por um comportamento padrão do tipo amá-las e
abandoná-las. Entretanto, para outros homens e mulheres, a dependência motiva o
relacionamento amoroso.
Um relacionamento lésbico — como o que é descrito por exemplo, pode
também repetir padrões amorosos da primeira infância. Outro exemplo:
Levada pelo tédio, Josiane arranja um
emprego de soldador numa fábrica de aviões. Mas as longas horas de trabalho manual não a
transformam num homem. Ela é ainda a que se sacrifica, continuando a cozinhar,
lavar, passar e lavar o chão. Gasta grande parte do ordenado com Diná...
O elo masculino-feminino é frágil,
comparado com esse elo mãe-filha. Cada uma está apenas caminhando nos sulcos
profundos de sua primeira infância. Diná sempre foi a princesa distante,
servida e censurada por uma mulher grosseira e martirizada; na verdade, por
duas mulheres martirizadas: a mãe e a irmã. Josiane sempre serviu a mãe
glamorosa, sempre fora de casa, procurando realizar coisas. Ela foi
dona-de-casa e cozinheira também para o pai, que sempre desejou um filho.
Descrevendo seu gosto por mulheres, o ativista político e médico
pediatra Benjamin Spock revela também uma compulsão repetitiva, pois como ele
mesmo acentua: “Sempre me sinto fascinado por mulheres severas, mulheres que
posso vencer com meus encantos, apesar da severidade”. O modelo para essas
mulheres — como o Dr. Spock sabe muito bem — foi sua mãe, exigente e
extremamente crítica. E se, com seus oitenta e poucos anos, ele é ainda um
homem excepcionalmente charmoso, o desejo de conquistar a mãe pode explicar
essa qualidade.
“Sempre me intrigaram”, diz ele, “os
homens capazes de amar mulheres de temperamento um tanto suave.” Essas
conquistas, sugere ele, são fáceis demais para ter valor. “Sempre precisei de
alguém que fosse especial e ao mesmo tempo representasse um desafio.” Diz que
suas duas mulheres, Jane, a primeira, e Mary Morgan, a segunda, são versões —
embora diferentes — desse tipo; Quer dizer: Ele está sempre tentando
transformar as pessoas que ele convive nesse tipo de pessoa” — o que é também,
naturalmente, uma compulsão repetitiva.)
“Por incrível que pareça, mas repetimos o passado reproduzindo condições
anteriores, por mais desafiador que isso possa ser, como esses exemplo que
acabei de citar.
Repetimos o passado sobrepondo imagens dos nossos pais, às imagens do
presente, em geral uma prática míope, pois não percebemos que ser delicado não
significa ser fraco, que o silêncio pode ser amigável e não uma punição, e que
pessoas bondosas e tranqüilas podem estar oferecendo algo novo — se
conseguirmos vê-lo.
Repetimos o passado até mesmo quando, conscientemente, tentamos não
repeti-lo, por mais inútil que seja a tentativa, como o caso da mulher que,
desdenhando o casamento convencional e patriarcal dos pais, resolveu que o dela
teria uma forma completamente nova. Sua mãe era dominada pelo marido
autoritário e que seu marido seria do tipo que se deixa dominar. Assim, na sua
vida de mulher livre e autônoma, conseguiu repetir a submissão desprezível da
mãe.
A compulsão repetitiva, explica, por que determinada pessoa é sempre
traída pelos amigos, por que outra é sempre abandonada por seus protegidos, e
por que cada caso amoroso tem de passar por estágios semelhantes e terminar do
mesmo modo. Pois, embora sejam pessoas que parecem “perseguidas por um destino
maligno, ou possuídas por uma força demoníaca”, “esse destino é em grande parte determinado
por elas mesmas e por influências da primeira infância”.
Parece razoável o desejo de transferir o passado agradável para o
presente, procurar a repetição dos prazeres daqueles dias, apaixonar-se por
aqueles que se parecem com os primeiros objetos da nossa afeição, repetir
alguma experiência porque gostamos dela na primeira vez. Se a mãe era realmente
maravilhosa, por que o filho não pode se casar com uma moça igual à que se
casou com seu velho pai? Sem dúvida, todo amor normal não precisa ser estranho,
não precisa ser ostensivamente incestuoso — tende a compartilhar um amor de
transferência.
Repetir o que é bom tem sentido, mas é difícil para nós entender a
compulsão para repetir o que nos faz sofrer. E, embora até mesmo Freud tenha
tentado explicar essa compulsão como parte de um conceito duvidoso chamado
“instinto de morte”, pode ser também interpretada como nossos vãos esforços
para desfazer — reescrever — o passado. Em outras palavras, fazemos, e
repetimos e repetimos, na esperança de que dessa vez o fim será diferente.
Continuamos a repetir o passado — quando éramos desamparados e conduzidos —,
tentando dominar e alterar o que já aconteceu.
Repetindo a experiência dolorosa, estamos nos recusando a enterrar
nossos fantasmas da infância. Continuamos a clamar por alguma coisa que não
pode acontecer. Por mais que sejamos aplaudidos agora, ela jamais nos aplaudirá
naquela época. Tecendo o passado com o presente,
podemos experimentar vários tipos e vários estágios do amor. Podemos amar, de
um modo ou de outro, durante toda a nossa vida. Tentamos e continuamos a
tentar, porque uma vida sem conexões não vale a pena ser vivida. A vida
solitária não é suportável.